A minha mãe, e a saudade que dela tenho!

Naquele
dia, eu sentia que alguma coisa estava para acontecer, não tinha
dormido bem, estava cansada e o meu pensamento voava entre o passado e o
presente. Sempre focado na mesma imagem. A minha mãe. Uma mistura de
sentimentos que não sabia explicar. Na véspera, depois de uma ida ao
Alentejo, eu tinha passado pela casa dela para lhe dar um beijo.
Pediu-me que lhe arranja-se o cabelo. Eu assim fiz! Depois de lavar os
cabelos brancos da minha mãe, coloquei-lhe os rolos e enquanto secava,
fomos conversando sobre mil e uma coisa. Desabafos de alguém que sente o
fim da sua caminhada. Preocupações exageradas de mãe "galinha". Disse-lhe
eu! Ela, na prenuncia tão característica do dialecto barranquenho nunca
esquecido e sempre presente, respondeu-me que ela é que sabia o que era
melhor para as suas filhas e que estava preocupada com o nosso futuro,
um dia que ela desaparecesse! Tinha 92 anos, amava a vida e a sua
família acima de tudo. Nesse dia, ainda falámos dos seus medos, da sua
terra e das suas gentes, pessoas que eu não conhecia, mas que ela se
recordava com uma precisão impressionante. Contou-me histórias da sua
infância, do tempo de escola, dos irmãos, e do meu pai. O meu Pai foi o
grande amor daquela mulher frágil, pequenina, mas enérgica, desde os
tempos de escola.
Mandavam-se recados um ao outro, em papelinhos,
mensagens secretas de um grande amor. Eram crianças ainda, namoram à
janela, não se tocavam, mal se vislumbravam na penumbra que envolvia a
noite. Só eles e as estrelas, nas noites frias e escuras do Alentejo.
Alguém devia estar ali por perto guardando a candura daquela paixão de
meninos. Foi mulher de um só homem. Casou tarde já teria 30 anos feitos e
nunca mais olhou para outros olhos senão aqueles olhos verdes que o meu
pai tinha. Viu partir o companheiro dos seus dias muito cedo, tinha ele
57 anos. Uma dor nunca superada, confessou-me um dia. Ficou mais
amarga, mais autoritária, com o sentido da responsabilidade mais
aguçado.
Naquele dia a conversa nunca mais tinha fim, eu adorava
ficar ali sentada ao lado da cama que ultimamente a acolhia. Tinha caído
e tinha partido uma perna. Ficou ainda mais frágil, não comia, não
queria viver assim, dizia-nos desesperada. Uns anos atrás tinha perdido a
visão o que condicionava ainda mais os seus dias.
Chegou a hora
de eu me vir embora. Ela não quis e chorou. Pediu-me para não a deixar e
chorámos as duas. Abracei aquele corpo cada vez mais frágil, cada vez
mais pequenino. Quem me dera leva-la comigo para sempre, pensei.
Acalmei-a e disse-lhe que era melhor ficar ali na sua casa no quentinho
do seu quarto que era seu há mais de meio século. Falei-lhe com doçura,
explicando-lhe calmamente que não ficava sozinha, alguém ficava com ela.
Disse-lhe também que voltava no dia seguinte, acalmou, serenou,
acenou-me com a mão e olhou para mim com um olhar triste, como um adeus.
Eram
6 da manhã, o telefone tocou na minha casa. A minha mãe tinha acabado
de partir. Mil sentimentos eclodiram nesse momento. A minha mãe, NÃO!!
Foi só o que consegui dizer. Revolta, arrependimento, dor. E esta
ausência que amarga os meus dias.
2 comentários:
A tua Mãe.
Ainda.
Um sorriso para ela.
:)
A minha mãe! Sempre. Ela agradece o sorriso!
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