sexta-feira, novembro 18, 2005

Envelhecer


Envelhecer

As tardes de Outono trazem melancolia.

As folhas dançam nas árvores ao compasso da melodia do vento, nas tardes frias de Novembro.

Revejo em mim a folhagem destas àrvores. O Outono da vida!

Os sótãos pejados de recordações de um passado que foi ontem. A boneca ferida pelas armas do tempo está ali, caída a um canto, sem ninguém que lhe alise os cabelos loiros. A tesoura dos meus tempos de menina, espera na caixinha da costura, pelo corte da moda, para a boneca morena de cabelos compridos. Como eu gostava de cortar os cabelos às minhas bonecas! Vou ser cabeleireira - dizia eu, muito orgulhosa!

Faço teatro e declamo poemas para um público imaginário.
Vou ser actriz!

Os livros de contos, estão guardados num baú, junto das bonecas de papel, que nós vestíamos também de papel, depois de recortados. Um pano bordado, ou meio bordado, nunca gostei de bordar. Um quadro pintado, um não! dois, três, quatro, muitos. Vou ser pintora!
Isto foi ontem?
Ontem?
Não!!

E as lágrimas correm pelo meu rosto cansado e triste ao recordar o passado. As rugas percorrem-no e teimam em ficar. Olho no espelho e não encontro a menina de ontem! Eu procuro em mim o passado, na busca da menina perdida. Mas o espelho nada me diz, prefere ficar mudo. Talvez cansado de ver esta imagem.

Estou a envelhecer, não o sinto! O coração sente os mesmos anseios de ontem, mas os olhos, ah os olhos, não! Esses perderam o brilho de outrora. É como se um véu teimasse em os cobrir para lhes ocultar o brilho de antigamente.

Porque será que os olhos falam desta maneira tão cruel? São os olhos da alma, dizem!

Os outros também confirmam, o espelho confirma, cruel, não sabe mentir, as minhas mãos confirmam.

A vontade de viver vai esmorecendo aos poucos e ficando perdida pelos sótãos da vida. Os sonhos vão ficando esquecidos na bruma da vontade.

Hoje não me apetece sair! Respondo... Quero ficar aqui quietinha no meu canto, no calor da minha casa. E o tempo vai passando devagar, devagarinho… terrivelmente devagar. E o Outono chegando.

Depois… Ah! depois… Depois!

Não… Não quero partir para o fim da estrada ainda pejada de sonhos. É muito cedo ainda, grito eu!

E chega tão depressa o fim da caminhada!

E depois?

Voltarei ao sótão e brincarei com as minhas bonecas?

Voltarei a pegar na tesoura?

Serei atriz?

Serei cabeleireira?

Serei pintora?

Uma lágrima responde! Não sei!


1 comentário:

Flávia disse...

O que o Outono nos faz: sermos introspectivos! Está um texto excelente, como todos aqueles que surgem de momentos de introspecção, pejados de memórias, sentimentos e pensamentos. Mas vamos lá levantar esse astral. Quem não olha para trás por menos idade que tenha? todos! Ao contrário nunca pensei ser cabeleireira orque, tal como tu, cortava os cabelos às bonecas e ouvia cada sermão da mãe, mas as bonecas ficavam com uma ponta abaixo e outra acima. Definitivamente não queria ser cabeleireira! Gostava mais de me emaranhar nos papéis e daí o querer ser secretária, professora e por aí fora.
De uma maneira ou de outra, ainda há tanto para viver, mesmo que tal aconteça na nossa velhice.

beijocas